terça-feira, 17 de setembro de 2013

NATÁLIA CORREIA


Nos últimos dias escreveu-se e falou-se de NATÁLIA CORREIA. Se fosse viva teria feito 90 anos no passado dia 13. Ocasião para a lembrar também aqui no Em Cada Rosto Igualdade. Para isso, este mosaico, «sem quaisquer pretensões»: 


"As pessoas caem como folhas/ E secam no pó do desalento/ Se não as leva consigo/ A fúria poética do vento./ Para que se justifique a nossa vida/ É preciso que alguém a invente em nós."



«Fernando Dacosta criou e escreveu um belo livro: O Botequim da Liberdade. Fala deste, da vivência nele. Fala de Natália Correia, uma mulher de excepção que marcou uma época nas letras e na política. Natália Correia trazia em si, diria Almada Negreiros, todas as virtudes e menos defeitos da natureza humana.

Não vou, por pudor e exigível modéstia, perorar sobre Natália Correia. É demasiado alma grande para me atrever a isso. Só lembrá-la, nos seus noventa anos. Sem quaisquer pretensões.(...)»Continue a ler.


Não Percas a Rosa - Diário e algo mais (25 de Abril de 1974 - 20 de Dezembro de 1975), Lisboa, 1978, Dom Quixote: Cota Biblioteca Nacional L. 60455 V
"08 de Outubro de 1974

«(...)
Quanto à coerção da norma democrática tira esta a sua força da "liberdade permitida" que sujeita o homem à tirania da mediocridade colectiva. O exercício interior da necessidade vital criadora de não nos submetermos à liberdade tolerada, eis a mola que, incontrolável pelo Estado, levanta o dedo para protestar. A tesoura da censura fascista corta-o? Perdi alguns dedos, é certo. Mas não a minha liberdade. Fugi ao maior risco: o de apodrecer no campo de concentração interiorizado da autocensura. Os que se suicidaram no escarrador da autocoacção aliada do Estado repressivo salvaram os dedos. Cinco pontas inertes da sua interioridade gangrenada. Que poderão escrever se não o pus da submissão a um novo dono?

Não, meu caro produto escandinavo do beatério das liberdades democráticas. Por mais que o assuste, mantenho: a liberdade de expressão negada pelo fascismo mas tomada por uns rarosextravagantes que se recusaram a introverter a inexistência foi o risco menor que correram aqueles que hoje escapam às garras da nova opressão. Considero-me entre estes extravagantes. O que me dá o direito de o chamar imbecil». Mais aqui.



A Exaltação da Pele
Hoje quero com a violência da dádiva interdita.
Sem lírios, sem lagos
e sem o gesto vago
desprendido da mão que um sonho agita.
Existe a seiva.Existe o instinto. E existe eu
supensa de mundos cintilantes pelas veias
metade fêmea metade mar como as sereias.


Natália Correia
Poemas (1955)
in Poesia Completa, p.69


Ode à Paz
Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza, 
Pelas aves que voam no olhar de uma criança, 
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza, 
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança, 
Pela branda melodia do rumor dos regatos, 

Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia, 
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos, 
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria, 
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes, 
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos, 
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes, 
Pelos aromas maduros de suaves outonos, 
Pela futura manhã dos grandes transparentes, 
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra, 
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas 
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra, 
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna, 
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz. 
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira, 
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz, 
Abre as portas da História, 
                               deixa passar a Vida! 

Natália Correia, in "Inéditos (1985/1990)"



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